Lucas
relata:
Ao
cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de
repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa
onde estavam assentados.
E
apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre
cada um deles.
Todos
ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo
o Espírito lhes concedia que falassem (At 2.1-4).
O
tempo entre a ascensão de Jesus e a espera dos discípulos para o derramamento
do Espírito Santo foi curto, de apenas dez dias. Nas palavras do Mestre, o
Pentecostes ocorreria "não muito depois destes dias" (At 1.5). O Pentecostes
é o ponto alto da sequência de eventos relacionados à morte, ressurreição e
ascensão de Jesus. É por isso que para Lucas o Pentecostes possui um sentido
prático e dinâmico, traduzido em termos de nascimento e missão da igreja
neotestamentária.[1]
Qual
o significado das manifestações sonoro-visuais do Espírito Santo em Atos 2?
O som de vento
e línguas como de fogo
Diferente
do entendimento de muitos, em Atos 2.2,3 não teve vento nem fogo, ou seja, não
houve nessa ocasião o sopro real de um pé-de-vento e nem uma fagulha de fogo
sequer. O texto é nítido em afirmar que veio do céu um som como de um vento impetuoso (portanto, um som de vento) e línguas como
de (parecido com) fogo. Qual o significado do som como de vento impetuoso e
línguas como de fogo em Atos 2? Na Bíblia, o vento às vezes simboliza a
presença de Deus e ação do Espírito Santo (cf. 1Rs 19.11; Ez 37.9; Jo 3.8;
20.22). Em Atos 2.2 o som de vento impetuoso denota poder celestial e seu
aparecimento repentino revela a inauguração da Igreja de Cristo de forma extraordinária
e sobrenatural.
O
fogo, espiritualmente falando, era o cumprimento da descrição de João Batista
do poder de Jesus: "Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo"
(Mt 3.11; Lc 3.16). No Antigo Testamento, o fogo é frequentemente um símbolo da
presença de Deus para expressar santidade, juízo e graça (cf. Êx 3.2-5; 1Rs
18.38; 2Rs 2.11). Em Atos 2 apareceram, distribuídas entre os que estavam
reunidos naquele lugar, línguas como de fogo, e pousou uma sobre cada um dos
crentes que se encontravam na casa. Em decorrência disso, “Todos ficaram cheios
do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes
concedia que falassem” (At 2.4).[2]
Notemos
que Lucas tem o cuidado de observar que não foram simplesmente o som de vento e
línguas como de fogo que invadiram a residência, e sim, o próprio Espírito
Santo quem adentrou o cenáculo com som de
vento e línguas como de fogo, conforme o relato de Atos 2.4. Essa foi a
maneira que o evangelista encontrou para dizer que o que aconteceu naquele dia
não tinha nada a ver com fenômenos meramente naturais.
As línguas
inteligíveis
Quanto
à natureza das línguas faladas em Atos 2.4, não é preciso especular se eram dos homens ou dos anjos. Lucas deixa claro que os "galileus"[3]
(no caso os apóstolos e outros que estavam na casa) de Atos 2.7 falavam as
línguas das nações presentes naquela festa (At 2.5-11).[4]
São línguas conhecidas, faladas em regiões que vão desde a Pérsia, no Oriente,
até Roma, no Ocidente. Segundo Marshall, "a história ensina que línguas
humanas inteligíveis são significativas, não as línguas ininteligíveis como as
frequentemente encontradas na glossolalia moderna ou como as que usualmente
pensa-se ter sido faladas em Corinto".[5]
De
acordo com Kistemaker, não podemos equiparar o acontecimento do Pentecostes com
o falar em línguas de Corinto. Os crentes que falam em outras línguas no
Pentecostes não o fazem para edificação da igreja (diferente da fala extática
[1Co 14]). Enquanto na igreja dos coríntios a fala extática deve ser
interpretada, no Pentecostes os ouvintes não necessitam de intérpretes porque
podem ouvir e são capazes de compreender cada um sua própria língua.[6]
É
provável que o conteúdo das línguas faladas em Atos 2 consistisse da mensagem
profética da justiça e graça de Deus a todos os povos, línguas e nações,
conforme sugere Pedro em sua pregação de Atos 2.14-41. Quanto ao propósito das
línguas faladas em Atos 2, está evidente que elas focavam a obra missionária, e
não especificamente a edificação particular da igreja ou dos seus membros
individuais (cf. At 2.5,8).[7]
Enquanto
em Babel (Gn 11.1-9) houve confusão e divisão, em Jerusalém foi proclamada uma
só mensagem em muitas línguas. A mensagem da unidade e universalidade em Cristo
Jesus. Moisés (Dt 28.49) e Isaías (Is 28.11) profetizaram as deportações de
Israel e Judá por nações de língua estrangeira (o que aconteceu no ano 722 a.C. com o cativeiro
assírio e em 587/6 a.C. com o cativeiro babilônico, respectivamente) por causa
do pecado e desobediência do povo da aliança. Entretanto, em Atos 2 as línguas
foram sinais explícitos da bênção de Deus para todas as famílias da terra.
[1] Conforme Donald Guthrie (In: Teologia do Novo Testamento. São Paulo:
Cultura Cristã, 2011, p. 541), “A origem da Igreja Cristã deve ser traçada até
o Pentecostes. Foi esse evento que iniciou a era da igreja, que também pode ser
considerada como a era do Espírito”.
[2] O texto de Atos 2.4 afirma
categoricamente que todos os que foram cheios do Espírito Santo falavam em outras línguas, e não apenas
eram ouvidos em outras línguas (cf. At 2.6-8,11).
[3] Você achará uma boa análise do
termo "galileus" de Atos 2.7 em C. S. Mann, Pentecost in Acts. In: Anchor Bible: The Acts of the
Apostles. New York: Doubleday & Co., 1967,
p. 271-275.
[4] Em Atos 2.3,4,11 a palavra grega
utilizada para línguas é glossa, mas
em 2.6,8 o termo usado é dialékto, de
onde vem nossa palavra portuguesa “dialeto”. O contexto deixa claro que pelo menos em Atos 2 as línguas faladas eram
dialetos humanos.
[5]
I. Howard Marshall, The Significance of
Pentecost. In: Scottish Journal Theology.
Scottish Academic Press, N0 4, 1977, p. 357. Para uma distinção entre a
experiência de línguas em Atos quando comparada com a de 1Coríntios, consulte
Antony A. Hoekema, Holy Spirit Baptism.
Grand Rapids: W. B. Eerdmans, 1973, p. 48-49.
[6] Simon Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: Atos.
Vol. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 111.
[7] Cf. I. Howard Marshall, Atos: Introdução e Comentário. Série
Cultura Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 50. Veja também Paul E. Pierson,
Atos Que Contam. Londrina: Descoberta,
2000, p. 19, 43, 78-83, 179-180.
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