08/06/2020

O significado das manifestações sonoro-visuais do Espírito Santo no Pentecostes de Atos 2



Lucas relata:
Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados.
E apareceram, distribuídas entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles.
Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem (At 2.1-4).
O tempo entre a ascensão de Jesus e a espera dos discípulos para o derramamento do Espírito Santo foi curto, de apenas dez dias. Nas palavras do Mestre, o Pentecostes ocorreria "não muito depois destes dias" (At 1.5). O Pentecostes é o ponto alto da sequência de eventos relacionados à morte, ressurreição e ascensão de Jesus. É por isso que para Lucas o Pentecostes possui um sentido prático e dinâmico, traduzido em termos de nascimento e missão da igreja neotestamentária.[1]
Qual o significado das manifestações sonoro-visuais do Espírito Santo em Atos 2?
O som de vento e línguas como de fogo
Diferente do entendimento de muitos, em Atos 2.2,3 não teve vento nem fogo, ou seja, não houve nessa ocasião o sopro real de um pé-de-vento e nem uma fagulha de fogo sequer. O texto é nítido em afirmar que veio do céu um som como de um vento impetuoso (portanto, um som de vento) e línguas como de (parecido com) fogo. Qual o significado do som como de vento impetuoso e línguas como de fogo em Atos 2? Na Bíblia, o vento às vezes simboliza a presença de Deus e ação do Espírito Santo (cf. 1Rs 19.11; Ez 37.9; Jo 3.8; 20.22). Em Atos 2.2 o som de vento impetuoso denota poder celestial e seu aparecimento repentino revela a inauguração da Igreja de Cristo de forma extraordinária e sobrenatural.
O fogo, espiritualmente falando, era o cumprimento da descrição de João Batista do poder de Jesus: "Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo" (Mt 3.11; Lc 3.16). No Antigo Testamento, o fogo é frequentemente um símbolo da presença de Deus para expressar santidade, juízo e graça (cf. Êx 3.2-5; 1Rs 18.38; 2Rs 2.11). Em Atos 2 apareceram, distribuídas entre os que estavam reunidos naquele lugar, línguas como de fogo, e pousou uma sobre cada um dos crentes que se encontravam na casa. Em decorrência disso, “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem” (At 2.4).[2]
Notemos que Lucas tem o cuidado de observar que não foram simplesmente o som de vento e línguas como de fogo que invadiram a residência, e sim, o próprio Espírito Santo quem adentrou o cenáculo com som de vento e línguas como de fogo, conforme o relato de Atos 2.4. Essa foi a maneira que o evangelista encontrou para dizer que o que aconteceu naquele dia não tinha nada a ver com fenômenos meramente naturais.
As línguas inteligíveis
Quanto à natureza das línguas faladas em Atos 2.4, não é preciso especular se eram dos homens ou dos anjos. Lucas deixa claro que os "galileus"[3] (no caso os apóstolos e outros que estavam na casa) de Atos 2.7 falavam as línguas das nações presentes naquela festa (At 2.5-11).[4] São línguas conhecidas, faladas em regiões que vão desde a Pérsia, no Oriente, até Roma, no Ocidente. Segundo Marshall, "a história ensina que línguas humanas inteligíveis são significativas, não as línguas ininteligíveis como as frequentemente encontradas na glossolalia moderna ou como as que usualmente pensa-se ter sido faladas em Corinto".[5]
De acordo com Kistemaker, não podemos equiparar o acontecimento do Pentecostes com o falar em línguas de Corinto. Os crentes que falam em outras línguas no Pentecostes não o fazem para edificação da igreja (diferente da fala extática [1Co 14]). Enquanto na igreja dos coríntios a fala extática deve ser interpretada, no Pentecostes os ouvintes não necessitam de intérpretes porque podem ouvir e são capazes de compreender cada um sua própria língua.[6]
É provável que o conteúdo das línguas faladas em Atos 2 consistisse da mensagem profética da justiça e graça de Deus a todos os povos, línguas e nações, conforme sugere Pedro em sua pregação de Atos 2.14-41. Quanto ao propósito das línguas faladas em Atos 2, está evidente que elas focavam a obra missionária, e não especificamente a edificação particular da igreja ou dos seus membros individuais (cf. At 2.5,8).[7]
Enquanto em Babel (Gn 11.1-9) houve confusão e divisão, em Jerusalém foi proclamada uma só mensagem em muitas línguas. A mensagem da unidade e universalidade em Cristo Jesus. Moisés (Dt 28.49) e Isaías (Is 28.11) profetizaram as deportações de Israel e Judá por nações de língua estrangeira (o que aconteceu no ano 722 a.C. com o cativeiro assírio e em 587/6 a.C. com o cativeiro babilônico, respectivamente) por causa do pecado e desobediência do povo da aliança. Entretanto, em Atos 2 as línguas foram sinais explícitos da bênção de Deus para todas as famílias da terra.




[1] Conforme Donald Guthrie (In: Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 541), “A origem da Igreja Cristã deve ser traçada até o Pentecostes. Foi esse evento que iniciou a era da igreja, que também pode ser considerada como a era do Espírito”.
[2] O texto de Atos 2.4 afirma categoricamente que todos os que foram cheios do Espírito Santo falavam em outras línguas, e não apenas eram ouvidos em outras línguas (cf. At 2.6-8,11).
[3] Você achará uma boa análise do termo "galileus" de Atos 2.7 em C. S. Mann, Pentecost in Acts. In: Anchor Bible: The Acts of the Apostles. New York: Doubleday & Co., 1967, p. 271-275.
[4] Em Atos 2.3,4,11 a palavra grega utilizada para línguas é glossa, mas em 2.6,8 o termo usado é dialékto, de onde vem nossa palavra portuguesa “dialeto”. O contexto deixa claro que pelo menos em Atos 2 as línguas faladas eram dialetos humanos.
[5] I. Howard Marshall, The Significance of Pentecost. In: Scottish Journal Theology. Scottish Academic Press, N0 4, 1977, p. 357. Para uma distinção entre a experiência de línguas em Atos quando comparada com a de 1Coríntios, consulte Antony A. Hoekema, Holy Spirit Baptism. Grand Rapids: W. B. Eerdmans, 1973, p. 48-49.
[6] Simon Kistemaker, Comentário do Novo Testamento: Atos. Vol. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 111.
[7] Cf. I. Howard Marshall, Atos: Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 50. Veja também Paul E. Pierson, Atos Que Contam. Londrina: Descoberta, 2000, p. 19, 43, 78-83, 179-180.

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